quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Glória,o suor e o cachorro.

Garota agora é a hora,
Prende o cabelo nessa cordinha imunda
Dentro desse quartinho sujo e escuro.
Leva à boca antes de sair o suor preso na língua
Do rapaz ao teu lado.
Enxuga o sal do amor
Da noite
Amanhecida
Agitada.
Encosta teus dentes, oferece tua última mordida e o cheiro do teu cabelo escorrido.
Lá fora há uma estrada quente... E no fundo dessa bolsa de franja ainda sobraram alguns
Cigarros...
Um pente. Um espelho. Algum dinheiro.
O suficiente para um café.
Na grande e longa e estranha estrada quente ainda há o suficiente.
Suja. E o dia descobrindo tuas sardas, teus sapatos de couro desbotados.
O sol, inimigo da garota dos longos cabelos e olhos frágeis.
Ainda assim continua em tua visão do seu fogo,
Quer cegar. Perder. A estrada é longa
E o couro anda no cimento cinza. E o suor escorre desaparecendo a noite
Agitada
Esquecida, como esse cachorro descarnado
Famélico
Amanhecido ao teu lado, atrás dos teus sapatos
Vermelhos de couro desbotado.
Cachorro apagado.
Vontade de morder o animal. Garota que ri entre seus cabelos compridos cor de fuligem
Mostrando seus dentes. Acende mais um cigarro.
A fumaça. Sinal para o sol!
Talvez o rapaz a veja. Mas ele dorme, num quarto abandonado...
Longa viagem... E nenhum carro parando.
Garota e cachorro
Sedentos. Esfomeados.
Posto de gasolina. O velho olha.
Seu umbigo.
Amanhecido.
Se fosse uma selvagem arrancaria e comeria aqueles olhos
Estúpidos, inchados no tempo.
Comeria em grande mordida e o resto dos glóbulos
E o resto deixaria para o cachorro...
Colocou a bolsa na frente da barriga.
E o velho do posto adivinhava seu corpo.
Contava suas sardas. Ela o chamou.
Sem dinheiro.
E uma longa estrada. Abaixou sua calça e o devorou
Ali mesmo, no posto perto do banheiro
Sugou a pele envelhecida, observada pelo cão.
Estava de meias brancas e sua mãe fazia tranças em seus cabelos escorridos
Seu pai lhe beijava, segurava pela mão, dava bom dia e a garota
Do futuro de algodão, puro, com seus cadernos de letras e fadas
Ajoelhada estava
E tinha na boca o gosto
De gasolina...
Era o momento de acender o isqueiro
Mas suas mãos trabalhavam presas, tristes,
O cachorro se apiedava.
O sal do rapaz evaporava. De dentro de suas sardas.
O dinheiro do velho foi o almoço dos novos amigos.
Toda estrada é longa!
Aquela parecia não ter fim.
A raiva parecia não ter fim.
Cuspia a saliva de gasolina, cuspia no animal
Este não ameaçava.
Mataria por ela. E por seus sapatos pequenos e sem cor.
Guardou o troco, moedas, papel azedo, lambeu o dedo.
O dinheiro tem gosto azedo. Velho!
A estrada só tem ida.
E os carros passam rápido,
Cada vez
Misturados, em fumaça escura
Tarde demais...
Seus olhos fecharam na estrada
Onde os carros passaram em seu corpo frágil.

2 comentários:

Gabriel Springer Pitanga disse...

Nossa... estou horrorizado... porque você foi me levando ao suicídio sem eu perceber.... A história é ultra-densa, a história é contada da única maneira que poderia ser contada... Senti o gosto azedo também. Senti a minha pele viscosa, senti o ruim e o bom, dos cabelos, das unhas, do cheiro do ar, que até então não tinha cheiro... Uma coisa depois da outra, todas fizeram sentido, o final não podia ser outro. Embora fosse uma supresa. A história cresce, cresce, toma corpo e, quando, enfim têm todos os membros e parece começar seus próximos capítulos após o que soou como uma introdução, ela acaba. E quando acaba se mostra inteira. E impossibilitada de ser diferente.

Gabriel Springer Pitanga disse...

É uma história marcante, cheia de imagens, e por isso nos leva até ela, até onde ela está. Uma história que vai nos engolindo, nos mastigando, enquanto a gente acha que nós é que estamos lendo..
Forte, visceral, repleta, conturbada, simples.