terça-feira, 16 de agosto de 2011

Casca

Fiquei muda por achar que nada do que escrevia valia mais a pena. Teria algum sentido. Perdi certos planos, fechei o coração. Emudeci em gestos, prazeres...

Mas ainda continuo a olhar o céu.

Difícil aceitar essa casca que sou, frágil junco enfrentando tempestades medonhas...Tudo porque ainda acredito.


E continuo olhando o céu.

Perder a casca é necessário. A serpente desviou os dois anjos. Plantou o desejo...

A serpente é a minha perdição.

Por ela eu olho o chão...meus rastros feitos na terra... vejo a quem eu fiz mal, choro amargor...

Apenas a paixão purifica essa dor.

Apenas a paixão acende todas as velas... E reflete os tons encarnados da minha alma.

Para eu nunca deixar de sonhar com o céu.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Antes Fosse

Quando eu era pequena

Cortaram meus longos cachos

Enroscados, pretinhos

E pararam de sacudir ao vento

Bom vento...

"Deus me livre de criança faceira!"

"Deus me livre de piolho graúdo!"


Vivi a condição de menino. Andava descalça, seminua.

As mãos sujas de terra

A brincar de pirata e tesouros escondidos no quintal de horas em horas...

Mas era traída quando a parar

Por uma flor ordinária

Fazia de suas pétalas pequenas, miudinhas

Enfeites para minha vida sem cor...



***

Dorzinha


Mariazinha tinha deixado bilhetinho de amor dentro de caderno do menino.
Quando a sineta tocou, passo aflito, ela cutucou, "me dá um beijo, Joãozinho?". E já ia fechando os olhos, ouvindo o psi-psi dos passarinhos, quando ele a empurrou... "Você é feia, Maria!"
Ela se levantou, limpou seu vestidinho de cor azul.
Escondendo a dor do primeiro coração partido.

***



Prece



O balão que eu queria

Só para guardar

Sumiu na noite voando alto, longe.

Perto do teto do céu...

Que inveja das estrelas! Sempre puras, impávidas

Admiradas e proseadas

Fogo que não tem calor...

Quantas saudades da menina

Bichinho crédulo de mãozinhas entrelaçadas

Rezando para a primeira estrela

Trazer felicidade...

Hoje finalmente alcancei o lugar de onde deixei

A menina perdida

Mas agora sou triste e fria

Cega por olhar as estrelas vazias!




***

terça-feira, 17 de março de 2009

Dentro do lotação

Meus olhos atravessaram Oceanos.
Aquele que percorrer meu corpo sentirá orvalho selvagem,líquido feminino.
Sou negra,cafuza,sincera,galega,poeta,maluca,dispersa,mulata,meretriz,
menina...
Inzoneira,arredia e trabalhadeira.
Enluarada e solar.
Bicho do mato,percebe meu cabelo?
Sorrio...sou fina flor de Lácio...em luvinhas macias.
Carreguei teu filho Senhor.
Entreguei meus seios fartos do alimento sagrado.
Seios que se tornaram cálidos.
Mas também tive meus pés beijados,se na terra fui esmagada,cuspi com força na tua face.
Cuspi com vontade crua de índia valente que nunca se curva.
E deita pela própria vontade.
Apetecida.
Satisfeita.
Plena daquele que me equivale.
O que é íntegro e casto.
Santo-demônio.
O Destino,meu caro...

terça-feira, 3 de março de 2009

Uma Carta....


Estou rendida.
Ao calor dos teus braços na manhã suave .
Vou bebendo as palavras,tua boca,tua saliva gostosa ,riozinho do meu prazer...
Destrancou o meu coração mais rápido do que eu imaginava...
Ou talvez nunca mais imaginasse pela tesoura enferrujada que
Estava nas minhas mãos.
Com ela fui deixada,material cortante,minha única arma.
Branca.
Neve derretida.
***
Nome que me entorna o pensamento volteia,fica,resta,permanece...
Meu homem mágico,serpente,meninice infinita...
Também quero ser tua menina iluminada.Sou a poesia guardada ...
Você é a poesia sonhada...
Sou feita para teus olhos e tua verve,maluquice tamanha,tanta que entorpece.
Fui descobrindo e ainda continuo a ter em você um ser único,raro...
Rendida.
Entrego o cinto de Hipólita ao Amor.
Homem que derramou paixão,me dá o que eu sou...
Pensamento ...Quem é ele?
Pensamento...será que digo?
Danada de casca que me cala...Diz logo
Eu te amo como passarinho feliz...Me deixem cantar,viver,sentir.
E agora faço meu pedido.
Diante de singela cartinha venho por meio desta
Ilustre
Gentil
Nobre
Rei e mendigo
Mutável
Tranquilo
Pipa ao vento
Oferecer o que os científicos chamam apenas de órgão.
Eu conheço por muitos nomes e diversas maneiras
Coração.Símbolo.
O que ofereço é o atrás do símbolo.A brincadeira com as regras.
Sou pequena,tenho cabelos e olhos pretos de boneca de trapo.
Dessas de alguma feirinha do interior.
Mas sou bem engraçadinha e quando me pegam no colo
Sorrio
Com um infinito de cor,mas gosto muito do azul,já previno.
Também sou moça observadora,mas nem demasiado séria,pois chuva é bom
Quando molha e pega a gente no meio do caminho do compromisso.
E se me der um copo de água,juro que ponho sabão e
Com a mão faço um círculo
E sopro bolhas ...
Tenho livros que gosto de compartilhar,música que não me farto de ouvir,sei também preparar
Aí sim sem asneiras
Comidinhas para saciar o homem do meu querer.
Esse sujeito,pronome,verbo,advérbio
É simplesmente você...
E você é todo azul.
Quando me olha então me estremece, revira o sentido...
Inteiramente lindo
E sem nunca mais tesouras a me dilacerar..
Murmuro bem baixinho
Aceita então estar comigo?
Que eu te guie através de tudo...
Que eu te aninhe no meu segredo
Quente
Que partilhe da minha alma
Riso,choro,beleza,música,poesia ...
Sou essa tua.
Andorinha.
E todas estações de todos os caminhos do mundo daqui ou de lá...
Sou o sonho que deseja o teu bem estar.
Murmuro...riacho cristalino em que vamos nos banhar ...
Aceita tudo?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Querido Estranho


Há tanto para ser refeito. Não, eu não quero mais intimidade.
Não quero esgotar minha alma.
Necessito apenas de uma linha tênue entre nós.
Para que eu te surpreenda.
Livro a escrever
Todos os dias.
Dessa ferida abriu-se também estranho jorro.
E assim quero ser.
Inexplicável aos seus olhos.
Sem saber.
Porque o que eu sou é folha recolhida em tuas mãos...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Dia Em Que Matei Mamãe




Me disseram um dia que potes só no final do Arco-íris.

Minha vida está bagunçada,o furacão me leva,me atormenta,não controlo nada.

Além do Arco-Íris.

Estou resignada e sem.Só é bom quando se deseja matar.

Serei o outro lado da Bruxa? Toda mulher merece morrer aqui ou lá.

Palavras me cortam inteira,e estou escrava,sem ajuda,sem amor,sem trabalho.

Além do Arco-íris filhinha...

Se eu tivesse riquezas me respeitariam mesmo sendo de caráter duvidoso.

Respeitam apenas quem possui dinheiro no bolso.

Eu apenas engulo,estou com a garganta seca,não tenho fome,a janela é a única saída?

Além do Arco-Íris o pote dos sonhos...

Sou feita de emoções inúteis,sou a cigarra ociosa que bate à sua porta.

36...

De quê adianta fantasiar mais?

Vou ao encontro da Terra dos Asnos,Preguiçosos e Ignorantes.

Umas caem limpando no labor ,outras por profunda tristeza.

Depois é colocar um pano em cima,sangue na rua...

Mamãe eu sempre disse que ainda iria aparecer no jornal.

Além do Arco-Íris sou amiga do Rei...

Serei eterna pintura deitada na cama do Amor.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tarei...

Entrando no carro estofado de couro ela amarrou o cabelo, suava quente.
Estofado de couro.
“Quero ir para casa!”
Pedir carona saindo do colégio. Nova. Rejeitada pelos colegas.
“Bonitinha...”, reparou “nuca peludinha...”
Tinha tesão em pêlos. Com oito anos ela raspou metade da perna com a gilete do pai.
“Que é isso?”
“Caiu, pai, meus pêlos caíram...”
Não gostava de usar saia. Dentro do carro ele espichava. Relance.
Pequena calcinha branca. Coxas peludinhas.
“Me deixa em casa?”
“Quero comer. Tava indo ao trabalho. Te dei carona...”
“Tá quase lá... ali, vira ali naquela rua...”
“Gosta de frapê de côco?”
O pai saía da sorveteria, simples de esquina, ela toda feliz, vestido azul... Sorvete, só de chocolate!
“Pai! Meu sabor preferido é de chocolate...” O vestido ficou sujo.
Mas seu pai era bom. Pegou um guardanapo e limpou a manchinha de sorvete.
Dentro do bar, o frapê refrescou os dois. Mochila no balcão. Calcinha escondida.
Ele já namorava seus peitinhos. Ela se via através do vidro da lanchonete...
“Letreiro brega...”
“Volta?”
“Heim?”, e chupou o canudinho... Côco e canela...
Ela tinha penugem em cima dos lábios. Ele tarava com seus pêlinhos.
“Volta comigo?”

Sorri. Já nem se lembrava dos anos sem saia.
Verões intermináveis em calças pesadas. Duas calças vestidas. Esconder as pernas.
Se olhava no espelho.
Feia. Sem graça. Tinha manchinha na bunda.
Ninguém, nenhum garoto ia ter tesão na sua bunda.
Duas manchinhas.
Vestido de chocolate. Boquinha de côco e canela. Bunda manchadinha...
“Dentro, aí, pode pegar o lenço...”
“Porta-luvas? Mas depois me leva em casa?”
“Tô tarando garota...”
Ela limpando a blusa...
“Em quem?”
“Menina,não assobia,dá ruga! Menina, sem cotovelo na mesa! Menina sem boca cheia!”
Cotovelo é feio...
Ela olhava agora os cotovelos. Eles também eram manchadinhos...
Muitos pêlos nos braços!
“Quando foi que sentiu tesão?”
“Pela primeira vez?”
“Fica só de calcinha?”
“Não sei, acho que era bem pequena... meu coração doía.”
Ela tinha pêlos todos escurinhos, calcinha branca e se via os pentelhos pretos...
Saiam pela calcinha, pêlos espalhadinhos.
Ela suspirou.
Não pensava em nada. Sua mãe a esperava para almoçar. Mas não tinha sede... Bocas de côco e canela misturadas.
Ele ajoelhado... Lambia a calcinha... Cheiro de pentelho...
Os pêlos subiam, bem curtinhos pela barriga...

Umbigo.
Seios... Ele molhado.
“vou molhar teus peitinhos...”
“Não tira minha calcinha... Eu não me raspei... ”
Se olharam... Ele era bonito.
O elástico arrancado machucou sua nuca...
“Pescoço, pêlinhos...
“Virgem...”
“Mentira... teve tesão menina...”
Era feia. Magra. Sem graça. E quatro olhos.
“Vira de costas...”
Tarou no desenho, caminho de pêlos... Microscópicas formigas negras...
Perigosas são as vermelhas.
Ela pensou na bunda. Duas manchas.
Mas seus pêlos eram tudo... Toda uma vida.
O que dependia, de que servia ser insegura?
Entregou-se e gemeu... Olhava por cima.
“Louquinha... Você desperta o monstro em mim...”