terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Sou


Sentada na única cadeira de uma mesa vazia
Estou diante da mesa da minha própria vida.
Qual um Midas ao avesso vejo o ouro
Transformar-se em pedaços de comida
Escura e fria.
Da minha barriga foram arrancados três frutos para o mundo.
Estou agora sozinha
Em volta do círculo de água... Suave melancolia de quem escolheu nascer
Apenas sabendo amar.
Cadela faminta
Me dê o pescoço para que eu ponha uma corrente.
Não se preocupe. Ainda pode respirar
Quem ela é?
Diz o homem...
Não tem nome, sabe apenas procriar.
Com ela eu posso falar dos meus amores, me vangloriar de todas que eu tive.
Ouço de pé.
Ainda estou imóvel e descarnada.
Suja,assustada...
Nada mais lhe resta.Mas para uma coisa ainda serve.
Escuta o que vou dizer com a certeza do domínio,vem aqui,no escuro do quarto ímpio...Você serve apenas para se calar.

Pintura Frida Khalo

3 comentários:

Priscila disse...

Belíssimo... expressou com leveza como é poderosa a capacidade humana de acolher, como deixamos de lado até o nome para isso, nos tornamos pura receptividade. E como às vezes acolhemos até o que nos machuca.

Gabriel Springer Pitanga disse...

Amedrontador. A escrava moderna. No altar do Sempre: o carrasco e a vítima, de mãos dadas. Nunca mais serão felizes até que a morte os separe.
O texto passa uma sensação de inescapável passividade. De prisão, abandono, de uma vida sofrida. A Rapunzel na torre, a princesa na caverna do dragão, a criança enjaulada, encaixotada, desperdiçada e mastigada. O Cárcere Matrimonial.
Se serviu para colocar para fora, ainda bem que colocou para fora!
Se é apenas ficção, é a ficção menos ficcional que já vi. É o barulho do escarro no ouvido quando acorda, são os gritos do vizinho no domingo durante o faustão, ao som de sertanejo baixinho, vindo lá da portaria. E ninguém faz nada. Talvez um pombo voe. Se houver algum. Tanta sobriedade, o texto chegou a me embriagar de tanta sobriedade. Até então eu não sabia que isso era possível.

Arusha Arish - Flor de Lótus... disse...

luciana deixa claro q tem "uma escrita que sai diretamente de suas entranhas"... o sofrimento é exteriorizado através de seus textos que tomam forma e nos emocionam e encantam!!!