sábado, 17 de janeiro de 2009

Poeminhas para os olhos náufragos...


Era tuberculoso e belo. Fazia músicas para sua musa
Com singela caixinha de fósforos. Sua voz era quase um sussurro.
De madrugada ela ouvia devagarzinho o gemido frágil do amor.
Dor e chiado.
Cuspe e escarro.
Beijo sôfrego. Horas contadas. Vem meu anjo, preciso da brancura dos teus braços...

***


Ela já nem se importava de espatifar as flores, quase oferendas naquele aziago 31 de dezembro. “Deve-me uma festa pelo menos, um dia que seja...”.
Jogava os espinhos de anos engolidos na roupa imaculada do marido.

***

O travesti de olho de vidro enxergava pela fresta cega a imundície do mundo.
Estranho ser repartido ,etéreo,maldito...sereia terrestre,depósito de escárnio e incompreensão.Flor amanhecida no meio fio da cidade.

***

Trabalhava no Instituto Médico Legal. Lavava,embalsamava, cuidava sem nojo e ânsias de cada corpo estático e frio. Tinha certo carinho pelos jovens, soprava em suas orelhas mortas o hálito quente como última despedida.

***


De repente quando a porta fechou
Encerrada a presença,o último olhar
Me dei conta de que tudo também é seu.As coisas da casa.
Simples enfeites.
O sofá do amor rápido,intenso,suado...
Vermelho de promessas e confissões de passado.
Sabe o que eu sou?

Inocente nos seus braços...

5 comentários:

Café no sangue cura. disse...

O sofá do amor rápido,intenso,suado...
Vermelho de promessas e confissões de passado.
Sabe o que eu sou?

Inocente nos seus braços...

nada mais em palavras!
genial! :*

Daniel Matos disse...

um poema narrativo aos poetas mortos do século XIX, tá ótimo!
bjs

Gabriel Springer Pitanga disse...

brilhante!!!!!!!! Brilhante!!!!!!!! Não existe o que dizer. Apenas é brilhante e nenhum elogio atinge através das palavras a sensação de vício da cocaína sendo saciado, como, também através das palavras seu texto atinge.

Gabriel Springer Pitanga disse...

É apenas ler, reler e ler mais. E por favor, escreva!!!!!!!! Quero ler mais e mais das suas veias estourando, do seu olhar banal e cruel de uma realidade fictícia e originalmente nada incrível, mas que, tomada das suas formas frasais, tomam a forma do lúdico de cada um, do dia-a-dia, do nunca e do sempre. Daquilo que nunca acontece com a gente, mas só com os outros. E daquilo que sempre acontece com a gente, e nunca para os outros. O íntimo de todos. O íntimo de cada um. Um segredo. O pensamento fugaz de um sujeito qualquer pode ser, nas suas delicadas e atentas frases, um momento único. Uma frase para deixar para a história um coçar de olhos ou um notar da vida. Parabéns!!!

Henrique Crespo disse...

Por onde anda a menina que espicha os olhos para o céu?