terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Sou
Sentada na única cadeira de uma mesa vazia
Estou diante da mesa da minha própria vida.
Qual um Midas ao avesso vejo o ouro
Transformar-se em pedaços de comida
Escura e fria.
Da minha barriga foram arrancados três frutos para o mundo.
Estou agora sozinha
Em volta do círculo de água... Suave melancolia de quem escolheu nascer
Apenas sabendo amar.
Cadela faminta
Me dê o pescoço para que eu ponha uma corrente.
Não se preocupe. Ainda pode respirar
Quem ela é?
Diz o homem...
Não tem nome, sabe apenas procriar.
Com ela eu posso falar dos meus amores, me vangloriar de todas que eu tive.
Ouço de pé.
Ainda estou imóvel e descarnada.
Suja,assustada...
Nada mais lhe resta.Mas para uma coisa ainda serve.
Escuta o que vou dizer com a certeza do domínio,vem aqui,no escuro do quarto ímpio...Você serve apenas para se calar.
Pintura Frida Khalo
sábado, 17 de janeiro de 2009
Poeminhas para os olhos náufragos...
Era tuberculoso e belo. Fazia músicas para sua musa
Com singela caixinha de fósforos. Sua voz era quase um sussurro.
De madrugada ela ouvia devagarzinho o gemido frágil do amor.
Dor e chiado.
Cuspe e escarro.
Beijo sôfrego. Horas contadas. Vem meu anjo, preciso da brancura dos teus braços...
***
Ela já nem se importava de espatifar as flores, quase oferendas naquele aziago 31 de dezembro. “Deve-me uma festa pelo menos, um dia que seja...”.
Jogava os espinhos de anos engolidos na roupa imaculada do marido.
***
O travesti de olho de vidro enxergava pela fresta cega a imundície do mundo.
Estranho ser repartido ,etéreo,maldito...sereia terrestre,depósito de escárnio e incompreensão.Flor amanhecida no meio fio da cidade.
***
Trabalhava no Instituto Médico Legal. Lavava,embalsamava, cuidava sem nojo e ânsias de cada corpo estático e frio. Tinha certo carinho pelos jovens, soprava em suas orelhas mortas o hálito quente como última despedida.
***
De repente quando a porta fechou
Encerrada a presença,o último olhar
Me dei conta de que tudo também é seu.As coisas da casa.
Simples enfeites.
O sofá do amor rápido,intenso,suado...
Vermelho de promessas e confissões de passado.
Sabe o que eu sou?
Inocente nos seus braços...
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Orly,mon amour...
Rua Alcindo Guanabara 17.
Não tinha erro. Olhou só para confirmar o pedaço de papel, indicação do tio Luís. Soube meio sem jeito do segredo do velho, como deve ter penado esconder da mulher. Agora achava graça, o tio, porteiro de cinema pornô... Imaginou as noites de amor, será que lhe sobrava ânimo depois de dias cheios de sacanagem? Daí entendeu a estupidez da mulher. Os cascudos na cabeça, os banhos quentes que lhe esfolavam a pele, a camisa engomada, ele era a vingança perfeita.
Menino, calado, obediente. Menino moldado pela tia, dessas evangélicas até a pleura, sem espaço para crescer. Nunca tomou banho de trinco. A tia inspecionava a porta.
De madrugada, sob o pretexto de beber água, ela se esgueirava no quartinho do sobrinho, levantando lençol, cuidando que não houvesse mão boba... Denilson ia se esticando, nascendo pêlo, engrossando voz, e a tia feito cão fila, espiava até fechadura. Nesse dia, em plena ação de prazer, ela pôs a porta abaixo.
"Foi para isso que te criei? Desavergonhado dos infernos ajoelha agora! Ajoelha Denilson, pede perdão ao Senhor! O homem não deve desperdiçar sua semente, pede perdão!"
Ele murchou na hora, estava quase lá, na entrada do paraíso, e foi arrancado. Só lembrava do chão frio,a cabeça pendida.Nu,da cintura para baixo,pedia perdão.Foi a partir daí o sem jeito com as mulheres,a quase impotência.
A ejaculação precoce.
Lembrança da tia,do seu olho e suas palavras que metiam pavor.Denilson era a chacota em roda de amigos.Denilson era virgem passado dos trinta anos.
Sentia raiva do tio, por quê ele,que era homem ,não tomava partido do sobrinho? Nunca desafiou a mulher,nunca veio em auxílio,consolo,nada! Tinha o rabo preso, tudo se encaixava agora. Mas, antes de morrer, deu a volta em Laurita. Entregou de bandeja o endereço do antigo emprego. E fechou de vez os olhos para acordar em um inferno cheio de diabinhas fogosas.
Denilson mastigava os restos do saquinho de pipocas, na intenção de entrar. Estava tão nervoso que lhe veio uma ereção. Ficou durinho. Resolveu entrar na pressa, como cliente mesmo, bater uma rápida e então falar com o gerente. Foi entrando aos tropeções, a sala era muito escura, a retina demorava a acostumar, sentia uma pressão que lhe arrebentava o meio das pernas, não achava um lugar para sentar, apertava o saco de pipoca, até se dar conta de olhar para a tela. Uma bunda imensa, a maior do mundo, aquilo se aproximava de Denilson que parou ao escutar a voz melosa de “mete... mete”.
Foi aquele gozo instantâneo. Sofrido, rápido e sem sabor. Mesmo assim, conseguiu o emprego.
Era o bonzinho da turma. Aquele ser inofensivo que entregava as marmitas para as meninas seminuas que faziam o show das matinês. Elas nunca se incomodavam em desabotoar os sutiãs, cores quentes, enfiar calcinhas de aberturinhas estratégicas, depilar as xoxotas...
No começo foi difícil para Denilson. Inventava desculpas, dava um pulo ao banheiro, com ele era sempre rápido. Desafogado, até mesmo triste, voltava para as meninas, ajudava com os cremes. Teve uma que certa vez, sentindo um ardor anormal, abriu as pernas e pediu que ele enfiasse o dedo para ver se sentia alguma coisa. Suando bastante, ele com uma pinça retirou de dentro da moça uma unha postiça.
Era do travesti de quarta-feira.
Denilson era o verdadeiro homem-objeto. Fazia tudo sem poder fazer nada! Nadava em um mar de bocetinhas peludas,calvas,rosas,roxas,bundas de maçã,umbigos que derramaria com vontade sua semente...
“Ajoelha, ajoelha e pede perdão!!”.E o sonho acabava aí.Nem céu,nem inferno,estaria para sempre condenado ao quase.Inventou uma noiva.Por isso muitas o tinham por efeminado.
“E aí, Denilson, vamos tomar um chopinho com tua noiva mais tarde?”
“Ah... é que a Suzana tá assim, um pouco resfriada, não vai dar, fica pra próxima...”
Dia dos namorados.
Sessão dupla com Cynthia Love e Márcio GG. Os boys do centro, os engravatados, os desocupados, já estavam sentados, degustando o filminho de abertura, alguns iam cuspindo na mão, alisando devagar o camarada.O pau de todos em comunhão ao pau de Márcio, conhecido por “sem dó nem piedade”. Através do mulato eles também iriam comer a sobremesa e se lambuzar quando a cortina abrisse.
Denilson estranhou o nervosismo do gerente.
“Aquele cretino foi me deixar na mão justo hoje! É o cacete! Aquele não arruma mais trabalho!”
Continuou, porém, o serviço de limpeza e estava com o rolo de papel higiênico nas mãos, quando o gerente gritou:
“Denilson vem aqui! O Márcio abandonou o barco! Larga isso, porque hoje quem passa o rodo na Cynthia é tu!!”
Ele sentiu um momento de ausência e sua masculinidade encolheu dentro da calça...
“Seu Josias, eu... tenho noiva, sabe, ela não vai gostar se...”
“Deixa de besteira, meu filho... olha, vais ganhar um extra... compra umas flores pra ela, leva pra jantar e tá tudo certo! Agora vai lá se preparar!”
“Mas eu não sou ator... desses de palco... eu não sei o que dizer...”, as palavras iam saindo com dificuldade, engasgadas.
“Denilson!”, o gerente o encostou na parede,sem paciência.
”Eu não preciso que você fale. Eu preciso que você esfole a Cynthia. Por mim pode ficar até mudo. Mas esfola ela. E se demorar melhor. Sessão dupla, Denilson!”
Virgem e ejaculador precoce.
Mais rápido que um galo.
Ele transpirava, e o medo sempre fazia com que ficasse em ereção... Cynthia foi logo vendo e se animando.
“Assim é que eu gosto! Ih... que cara é essa meu bem? Deixa que eu vou fazer bem bonitinho,tá?”
Não dava para fugir, a Cynthia era uma garota legal, tinha filho, resolveu apelar para esse sentimento materno, ainda que em uma hora imprópria... Faltava cinco minutos para a cortina abrir e despejarem sobre ele a luz de cena.Desabafou.
“Eu não tenho noiva, eu não sou gay, eu sou virgem, entendeu? Virgem!”
Os olhos dela se enterneceram. Chegou perto e beijou-lhe a boca. Denilson sentiu um gosto bom. Quente.
“Agora é você que vai me fazer mulher, percebeu?”
O paraíso se abriu. O beijo foi o perdão do passado. Em cima de uma cama de lençol vermelho sangue, outro homem surgiu. Cynthia era possuída pela frente, por trás, em pé, lambida, sugada, beijada, adorada... O público comungava com Denilson, insaciável, ardente, vivo, pela primeira vez, vivo!
E quem nunca deu nada por ele, naquele dia pagou a língua. O cinema veio abaixo quando Cynthia falou, a voz rasgada:
“Ai, Denilson, não agüento mais... vou...”
A audiência estremecia. Aquele não era um gozo fingido. Invadiu a sala, entrou pelos corredores escuros, se fixou no ar.
Denilson então se ajoelhou. Para que ela pudesse sorver em sua boca macia o prazer escondido.
O tio, onde estivesse, estaria sorrindo.
Ilustração Carlos Zéfiro
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Perfurado
De qualquer jeito seu
Machucado aparentemente falso
De qualquer maneira sempre seu
Artefato boneco de pano
Vodu amalucado
Abandonado ...
Sempre seu...
Menina bruxinha
Pregando me torturando (eu)
Pequena presa da sua teia
Objeto amarrado...
De olhar perfurado
Sugado ,lambido
Mudo e devorado..
De todos os jeitos me revirando
No cadafalso do teu ser...
Nas gavetas escondidas do teu quarto te querer
De qualquer maneira
Maltratado
Boneco de pano
Vodu falso...
Brinquedo abandonado.
Ilustração : Nijinski
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
Diz?
Luciana diz:
Ausente?
Presente no passado ausente... Ausente por fastio, cansaço, trips e trepe e pague... Cólera de puta e amor de cáften...presente e ausente como um pau amolecido,obscuro,sem desejo...À procura da boca maluca...
Ausência de corrupção para provar leite infindo... Ejaculatório, indefinido, gosto amargo e absoluto.
Deixei...
Meu amor em algum lugar... Ausente do coração... Lugar queimado, esquisito vácuo da solidão.
Sem resposta... Sem resposta...
Bom dia e boa noite... Vulgo fantasma arrastador de correntes macias que prendem,enjaulam,atam com risos de satisfação pequenas libélulas lubélulas de seiva quente... Corredeira fantástica de rios cheios de chuva das tuas lágrimas...
Bom dia meu presente... Antes antepassado esquecido e solto em algum lugar infinito.
Agora eu beijo tua boca,agora sou eu a admirar teus dentes,sou eu a percorrer teu corpo...sou tua...quem,eu? Sim, tu...
Sou escrava dançante a enfeitiçar tua casa...
Sou vento...
Ninguém me prende.
A não ser pelo amor. Esse foi o fim e o começo do nosso céu avermelhado e largo, céu em que me olhas de cima...
E suspende meus olhos... Vem, ano, vem ano... Vem mulher... Entregue a este homem!
Sem resposta... Sem resposta
Continuo adentro.
Parada no portão de grade enferrujada... Olhos vagos e tenebrosos... Sangue contaminado pelo tétano enfiado...
Com requinte bem colocado na ferida aberta que me fizeram.
De nada adiantou o amor... Esse foi malvisto, escondido. O próprio amor se cansou
Da espera.
Outros pássaros cantantes vieram seduzir o mar.
Pois eu nesse tempo era pedra solitária no meio do nada, silêncio azul.
Rasgada em duas. Ainda me escuta?
Ausente... Sempre.
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